quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Dr. Drauzio Varella entrevista o Dr. Jacques Tabacof - Parte IV




Dr. Drauzio Varella entrevista o Dr. Jacques Tabacof , médico hematologista. Especialista em tratamento de leucemias e linfomas, trabalha nos hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein. - Parte IV
Transplante de medula óssea
Drauzio – Em linhas gerais, como se realiza o transplante de medula óssea?
Tabacof – Há dois tipos de transplante: o transplante autólogo e o alogênico.O autólogo é, na verdade, uma quimioterapia em doses muito altas que leva à eliminação total das células do sangue e da medula óssea. Ela acaba com a leucemia, mas provoca também um esvaziamento total da medula óssea. Morrem as células boas e as ruins. Por isso, antes da quimioterapia, coletam-se células do sangue ou da medula óssea do próprio paciente, que são congeladas e guardadas. Terminada a quimioterapia, elas são devolvidas através da corrente sangüínea, como numa transfusão, e vão repovoar a medula. Essa estratégia mostrou-se útil na consolidação de algumas leucemias agudas.Para o transplante alogênico de medula óssea é sempre necessário encontrar um doador. Isso traz a vantagem de contar com uma medula sadia, sem células leucêmicas. Em geral, os irmãos costumam ser os melhores doadores.
O passo seguinte é submeter o paciente a uma quimioterapia em doses altas para eliminar a doença. Depois, as células do sangue ou da medula óssea retiradas do doador são injetadas no doente para repovoar sua medula. A pessoa passa, então, a produzir células sangüíneas absolutamente normais e, em certos casos, muda de tipo sangüíneo, pois adota o tipo sangüíneo do doador.
Drauzio – Isso quer dizer que um paciente de tipo sangüíneo A, recebendo o transplante de medula óssea de um doador de tipo O, pode deixar de ser A e passar para O?
Tabacof – Considerando o sistema ABO e RH, receptor e doador podem ser diferentes e o que recebe a medula pode assumir o tipo sangüíneo do doador. Doador e receptor, no entanto, não podem ser diferentes no sistema HLA, que representa um outro método de avaliar a compatibilidade para o transplante.
Drauzio – Nem todos os irmãos podem ser doadores?
Tabacof – Nem todos. A chance de um irmão ser totalmente compatível no sistema HLA é, em média, 25%. Quando isso ocorre, é uma boa opção utilizar a medula normal do irmão no tratamento da pessoa com leucemia.

Enxerto x hospedeiro
Drauzio – Em linhas gerais, o que é a reação enxerto versus hospedeiro que pode ocorrer nos transplantes alogênicos, isto é, quando a medula óssea de um doador é transplantada para um paciente com leucemia?
Tabacof – Por mais que se analise a tipagem HLA e se identifique a compatibilidade entre doador e receptor, assim que a nova medula se instala no paciente com leucemia, este passa a produzir as células do doador.O sistema imunológico do irmão, por exemplo, começa a reconhecer como estranhos os componentes do receptor e ataca seu fígado, tubo digestivo e pele. Está criada uma nova doença chamada ‘enxerto contra hospedeiro.
Drauzio – Nos transplantes de outros órgãos, o receptor pode rejeitar o enxerto. No de medula óssea, como o enxerto é composto por células imunocompetentes e o sistema imunológico do receptor está destruído, é o enxerto que rejeita o hospedeiro.
Tabacof – Exatamente. Nos transplantes de órgãos sólidos, como coração, fígado e rins, é preciso induzir imunodepressão no receptor para que ele não rejeite o órgão doado. No caso da doença enxerto contra hospedeiro, são as células da medula óssea do doador que agem contra o organismo do receptor.Trata-se de uma doença nova que não existe na natureza. Foi criada pelos homens fazendo os transplantes. É óbvio que existem técnicas para amenizar o risco. O primeiro passo é selecionar o melhor doador, o mais parecido, o mais compatível. O outro passo é deprimir a imunidade do receptor.
Ficando um pouco imunodeprimido, a tendência é não haver tanta rejeição da medula transplantada contra o hospedeiro. Existem drogas usadas profilaticamente que ajudam a evitar essa doença.

Avanço no tratamento das leucemias crônicas
Drauzio – Nos últimos anos, houve grande avanço no tratamento das leucemias crônicas.
Tabacof – Acho que um dos maiores avanços que presenciei no tratamento oncológico como um todo foi o surgimento de uma droga administrada por via oral e desenhada para tratar da leucemia mielóide crônica, doença incurável e para a qual, no caso de pacientes jovens, o único tratamento era o transplante alogênico com seus riscos e problemas.
Desde os anos de 1970, sabia-se que essa doença apresentava uma translocação balanceada entre o cromossomo 9 e o cromossomo 22, ou seja, uma troca de pedaços entre esses dois cromossomos que levava ao surgimento de um gene diferente. Na década de 1980, ficou evidente que esse gene alterado produzia uma proteína, na verdade uma enzima chamada tirosina-quinase, que era a causa desse tipo de leucemia.
A partir de então, pesquisadores e clínicos do mundo inteiro começaram a buscar substâncias que inibissem essa enzima e surgiu uma droga, melhor dizendo, uma pequena molécula que tomada por via oral, três ou quatro comprimidos por dia, resultou numa revolução no tratamento clínico da doença. Pacientes com leucemia mielóide crônica, que utilizam esses comprimidos, normalizam o hemograma e em muitos deles não se detecta mais a alteração cromossômica nem mesmo quando são aplicadas técnicas sofisticadas e sensíveis de análise.Além disso, os efeitos tóxicos dessa droga são discretos especialmente se comparados com os da quimioterapia. O único problema é seu custo que é bastante alto.
Drauzio – Estão curados esses doentes?
Tabacof - Como se trata de um tratamento relativamente novo, ainda é um pouco precoce dizer que os pacientes estejam curados, mas que o resultado clínico é fantástico ninguém pode negar.
Drauzio – Por que essa descoberta é tão importante?
Tabacof – Em oncologia, a grande maioria dos tratamentos foi descoberta empiricamente. Por tentativas de acerto e erro, foram identificadas várias substâncias da natureza – casca de árvore, plantas, etc. – que funcionavam como agentes quimioterápicos para atacar células tumorais. O imatinib, essa nova droga usada no tratamento da leucemia mielóide crônica, mudou esse paradigma porque foi desenhada uma molécula específica para combater um alvo determinado: a célula leucêmica.
Drauzio – Como os pacientes recebem o diagnóstico de leucemia e a perspectiva de eventualmente terem de submeter-se a tratamentos de alta agressividade?
Tabacof – Varia muito de um paciente para o outro. Se ele tem leucemia mielóide crônica, pode ser tratado com essa medicação nova sem ser internado em hospital. A leucemia linfóide crônica, a mais comum, também pode ser tratada com medicamentos relativamente simples, por via oral.
Nas primeiras consultas, procuramos explicar que há vários tipos de leucemia e desfazer o mito de que ela seja uma doença necessariamente fatal. Pacientes com leucemia crônica são convencidos de que a evolução mais lenta dessa enfermidade facilita o tratamento que avançou muito nas últimas décadas.
Embora os casos de leucemia aguda tenham apresentação clínica mais dramática por causa dos sintomas (sangramento, anemia, infecção e fraqueza) e da abordagem inicial bastante agressiva, como a melhora é mais ou menos rápida, os pacientes desenvolvem uma atitude positiva em relação ao tratamento e à doença.
Drauzio – Eles aceitam nesse momento que a doença pode ser curada?
Tabacof - Aceitam. Eles são informados de que o objetivo da quimioterapia é a cura. Em oncologia, muitos dos tratamentos são paliativos. Na leucemia aguda, no entanto, a proposta é curar o paciente. Às vezes, o tratamento inicial é muito agressivo, mas quando o paciente atinge a remissão, além de mostrar que a técnica terapêutica está dando resultado é um estímulo encorajador para ele.
Drauzio – Para os adultos, a remissão tem enorme impacto sobre a qualidade de vida. Eles sofrem com o tratamento agressivo, mas depois disso suas vidas melhoram bastante.
Tabacof – A qualidade de vida melhora muito. Eles entram em remissão, saem do hospital com o hemograma normal, sem nenhuma cicatriz e podem reassumir suas atividades. Depois, com calma, se estabelece a estratégia ideal de consolidação.É impressionante como as crianças toleram bem o tratamento. Você vê crianças com cateter central para receber a quimioterapia e as transfusões, caminhando pelos corredores do hospital, segurando o soro sem nenhum constrangimento. Em pouco tempo aquilo vira rotina de vida para elas.
Drauzio – Nos anos de 1970, curávamos entre 20% e 30% das leucemias infantis. E hoje, quais são os resultados?
Tabacof - Hoje, a possibilidade de cura da leucemia aguda infantil é muito alta. Gira em torno de 80% a 90% dos casos. Nos adultos, esses índices são mais baixos. Não trato crianças, mas a literatura confirma todos esses dados.

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