quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Estudo sinaliza nova esperança para portadores de leucemia

Fonte : Agência Estado - 06:04 29/08 - Por Sofia Celere
CAMPOS DO JORDÃO - Cansaço, dores pelo corpo, dor de cabeça e no tronco, falta de ar e sensação de baixo condicionamento físico – facilmente confundidos com sintomas do estresse do cotidiano da vida moderna – podem esconder uma doença grave tipicamente adulta, já que atinge principalmente pessoas na faixa dos 35 anos: a Leucemia Mielóide Crônica (LMC). De tratamento complexo e índice de cura pouco satisfatório, a LMC pode deixar de ser um fantasma na vida de muita gente depois do resultado de um estudo realizado por médicos de cinco países da América Latina, inclusive o Brasil.

Apesar do resultado completo estar prometido para só ser publicado no final do semestre por uma revista científica internacional, a britânica "Bone Marrow Transplantation", a Agência Estado teve acesso com exclusividade à melhor notícia do trabalho: chegou a 90% o índice de sobrevida dos pacientes estudados transplantados.

A técnica utilizada pelos pesquisadores foi a do transplante de intensidade reduzida, popularmente conhecida como mini-transplante de medula óssea. Uma modalidade considerada nova se comparada ao Transplante de Medula Óssea (TMO) convencional. Há menos de uma década na literatura médica, o mini-transplante é indicado a pessoas mais idosas ou mais debilitadas, em que o TMO, existente há cerca de 40 anos, não seria possível. O mini-transplante é considerado menos agressivo.

Numa escalada incansável para ampliar as indicações de doenças e quadros clínicos em que o mini-transplante pode ter sucesso, diversas pesquisas têm surgido em todo o mundo, principalmente na Europa. Um grupo de cientistas latino-americanos decidiu integrar as pesquisas de vários países da América Latina. Em 2001, cerca de 20 deles fundaram um grupo de cooperação científica nos transplantes e doenças onco-hematológicas, o Lacohg (Latin American Co-operative Onco-Hematology Group). O estudo é o primeiro artigo resultado deste grupo de interesse científico, que hoje já conta com mais de 50 especialistas do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Venezuela, México, Panamá e Costa Rica.

O médico Cármino Antônio de Souza, 54 anos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo, especialista em transplante de medula, membro do estudo do Lacohg com portadores da Leucemia Mielóide Crônica, acredita que a pesquisa abre um feixe de luz e esperança para muitos pacientes de todo o mundo.

Dos 24 doentes que receberam o mini-transplante, segundo Souza, 90% estão vivos e sem a doença cinco anos após o procedimento. Um índice a ser comemorado, já que a média alcançada com o TMO, principal alternativa usada ultimamente, gira em torno dos 60%.

Dos pacientes com a doença onco-hematológica estudados, três são brasileiros, sendo duas mulheres e um homem, com idade média de 33 anos. Todos foram submetidos ao procedimento na Unicamp e continuam vivos e saudáveis, cinco anos depois. O prazo é considerado importante no meio científico para validar a eficácia da terapia.

Outros cientistas participaram do estudo que será apresentado à comunidade científica no final do ano. Eles são do México, Venezuela, Peru e Colômbia, mesma origem dos demais pacientes transplantados.

O primeiro passo, após constatar as condições clínicas dos portadores da LMC para a realização do mini-transplante, foi a identificação de um doador compatível, boa parte encontrada na própria família. Depois do procedimento eles receberam acompanhamento da equipe brasileira, do mesmo modo que os pacientes dos demais países, conforme o rigor científico exigido. "Este estudo colaborativo é muito importante, pois mostra a factibilidade deste tipo de tratamento neste tipo de doença e poderá ser aplicado por outros centros", acredita Souza.

No mini-transplante a substituição da medula doente é feita gradativamente. "A célula-tronco ou periférica do doador é infundida aos poucos, até que prepondere sobre a doente. O processo leva de dois a seis meses para ser concluído", explica Souza. O método também diminui o tempo de internação.

Os medicamentos da quimioterapia podem ser ministrados por via oral, em casa. Do mesmo modo, os outros que vão garantir o restabelecimento do paciente. Isso facilita em muito a vida do transplantado, considerando, ainda, os efeitos psicológicos.

O onco-hematologista espanhol Jorge Sierra, 48 anos, da Universidade Federal Saint Paolo, de Barcelona, aplica o método do mini-transplante desde que ele surgiu na literatura médica, há oito anos, mas nunca o fez em pacientes com LMC. "Acredito que a tendência é que o mini-transplante se torne mais usual e com aplicação mais ampla nos próximos anos. Estudos, como este latino-americano, sinalizam para isso", considera Sierra.

ANORMALIDADE GENÉTICA

A Leucemia Mielóide Crônica é caracterizada por uma anormalidade genética que foi chamada de cromossomo Philadelfhia, uma vez que foi descoberta na Universidade da Pensilvânia (EUA). Além dos cromossomos sexuais (XX na mulher e XY no homem), o ser humano tem outros 44 divididos em 22 pares numerados de 1 a 22. O Philadelphia é uma falha que ocorre nos de número 9 e 22, que se quebram e trocam partes entre si. Trata-se, portanto, de uma anormalidade genética adquirida, não hereditária.

A maioria dos pacientes vê seus sintomas se desenvolverem gradualmente. Pode começar com um cansaço sem muita explicação, mal-estar súbito que passa a ser freqüente, falta de fôlego nas atividades físicas, dores pelo corpo e até um estado febril. Palidez, por conta da anemia, desconforto do lado esquerdo do abdômen devido ao aumento da dimensão do baço, suor noturno, perda de peso e intolerância a temperaturas mais altas completam o quadro dos sintomas típicos da LMC.

A maioria só descobre o problema de seu DNA depois dos 30 anos, em média, quando a leucemia mais se manifesta. Para se ter uma idéia, a freqüência deste tipo de leucemia é de 1 para 1 milhão de crianças até 10 anos, ao passo que sobe de 1 para 100 mil entre os adultos.
Em geral, os sintomas sem explicação aparente levam o paciente ao médico, que com a hipótese da LMC pede um hemograma. O exame de sangue do leucêmico apresentará uma contagem alta de glóbulos brancos, com proporção maior de células maduras do que imaturas. Isto mostra o mau funcionamento da medula óssea, responsável pela fabricação das células do nosso corpo. Por isso, o diagnóstico preciso depende do estudo da medula por meio de dois exames: o mielograma e o citogenético.

Sem o diagnóstico adequado e o tratamento indicado, a LMC pode evoluir para um quadro de maior dificuldade de reversão. É a chamada fase acelerada, que pode levar ao desenvolvimento da Leucemia Mielóide Aguda ou da Leucemia Linfóide Aguda, modalidades ainda mais graves.
As opções terapêuticas, além de raros medicamentos que agem como imunoterápicos e quimioterápicos, estavam voltadas para o transplante de medula óssea convencional. Só que este impõe muito mais restrições que o mini-transplante. Logo, havia mais chances do paciente morrer na busca da cura, sobretudo os que apresentavam um estágio mais avançado da leucemia. O estudo latino-americano pode ser a esperança para estes casos.

DIAGNÓSTICO - R.C.D., hoje com 41 anos, descobriu aos 29 que tinha Leucemia Mielóide Crônica. Tinha uma vida normal e conta que adorava passear no Parque o Ibirapuera, na capital paulista, pelo menos três vezes por semana. Numa das caminhadas sentiu muito cansaço, depois tontura. O mesmo ocorreu no fim de semana seguinte, após uma semana inteira de muita vontade de dormir. Pensou que fosse a rotina de trabalho associada aos estudos e às "saídas noturnas com o pessoal da faculdade".

Ele cortou as noitadas, mas não adiantou. A insistência da sonolência inexplicada, as vertigens e uma dor do lado esquerdo fizeram com que procurasse um médico e tivesse o diagnóstico. Um dos irmãos era compatível e ele fez o Transplante de Medula Óssea (TMO). Já se sentia curado. Seis anos depois os sintomas voltaram. Uma recidiva da doença. Outro TMO. "A terapia do transplante convencional é muito sofrida. Apesar de ter confiança que desta vez estou curado e não precisarei da nova técnica, fico feliz pelo resultado da pesquisa, ainda mais que tem participação nacional e abre mais chances para meus compatriotas", considera.

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